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domingo, novembro 15, 2015

129 corpos


O sentimento
não acha seu nome.
Nos atinge ao mesmo tempo 
em que nos aparta.

Parece um susto, não uma dor - 
pois não nos lesiona a musculatura,
não gera fissuras em nossos ossos,
não nos inflama os órgãos internos,
não atinge o amor de nossas vidas, 
não fere nossa auto-estima.

Parece alerta, não uma pena -
pois não nos enclausura,
não nos leva à guilhotina,
não nos obriga a serviços sociais,
não nos impede de sair do país,
não nos compromete as economias.

Parece assombro, não luto,
pois não derrubamos lágrimas,
sendo que nossos entes queridos 
confirmam estar felizmente                          


seguros.


O sentimento que não tem nome
é um corte agudo, profundo,
que nos deforma o espírito 
no momento em que nos faz 
temer qualquer coisa 
que não seja espelho.

Ledo engano:
Só há reflexo.


(texto/desenho: Chuí)

terça-feira, fevereiro 17, 2015

50 tons de nada



A estréia do filme "50 tons de cinza", baseado no best seller homônimo de E.L.James  - com 40 milhões de cópias vendidas pelo mundo - arrecadou somente no fim de semana de estreia mais de 160 milhões de dólares.

Trata-se da história do enlace amoroso de uma jovem virgem com um homem rico e dominador, cujas práticas sexuais envolvem a garota em uma fábula romântica combinada a certa iniciação sadomasoquista. Digo certa iniciação, pois sabemos que um filme com pretensões mercadológicas desse porte jamais abusaria do status quo, considerando-se um filme com censura de 16 anos.
O filósofo Michel Foucault defendeu em entrevista realizada em agosto de 1984 que os guetos sadomasoquistas poderiam servir não a revelações de aspectos ocultos de nossa intimidade, mas sim à invenção de novas sexualidades. A dor e o prazer não simbolizariam jamais violência, mas novas possibilidades. Ao se deslocar os lugares de prazer de genitais e zonas erógenas a outras partes quaisquer do corpo o sexo se legitima ainda mais como sexo, ou seja, um prazer de fato nada ligado a aspectos de reprodução humana e preservação da espécie.
Best sellers, via de regra, costumam dizer mais a respeito de sua época do que de fato trazer qualquer forma de interesse artístico, posto que aquilo que os faz cair nas graças do grande público não seria por fim jamais algum rompimento estético ou ideológico com padrões vigentes. Ao contrário, torna-se best seller exatamente por reafirmar de uma maneira particular aquilo que uma parte expressiva da população espera de sua própria época. 
Por isso não vou sequer me referir a qualquer questão estética do filme ou aspecto de linguagem cinematográfica, isso é desimportante. Todavia, podemos nos perguntar o que esse filme diz sobre nós hoje.
Fica claro que o sadomasoquismo presente aqui e aceito de forma lúdica pelos milhões de leitores - e agora espectadores - somente expressa aquilo que o próprio Foucault expressaria como dominação ideológica por meio agora não da opressão, mas da expressão sexual. 
Virgindade, pureza, ostentação, monogamia, submissão feminina, possessividade: nada novo sob o sol. Tudo que está na bíblia e na história humana.
O sexo sadomasoquista, que antes seria a reinvenção do prazer, se torna mais um artefato para o domínio mercadológico do amor romântico em sua versão contemporânea. E o romantismo é um dos maiores instrumentos de controle ideológico dos últimos oito séculos. Os milhões e milhões de mulheres apaixonadas pela figura de Christian Grey somente nos mostra que deve levar outro século pelo menos até que o amor possa, como diria Foucault, se reinventar em novas possibilidades.