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quarta-feira, julho 25, 2007

SAMBLUES 2!



Amigos,
Na próxima terça, dia 31, haverá mais uma sessão do SAMBLUES!, o ritual de celebração da miscigenação estética...
Com a felicidade do primeiro, estamos de volta e desta vez, um carinho de final de férias: É DE GRAÇA!
Eu e o gaitista Guappo faremos, no Syndikat Jazz Club, releituras de sambas antigos em versões blues e jazzy.
Versões de sambas apresentadas no SAMBLUES 1 + novas versões de sambas antigos + uma homenagem a Django Reinhardt + músicas de meus 2 cds + 3 músicas novas minhas + bons e velhos blues = SAMBLUES2!
Em meio a tanto Blues e desencontro na vida real, é bom encontrar novos e velhos amigos para comemorar a alegria.
Beijos a todos,
Fernando Chuí

domingo, julho 22, 2007

A Invenção da Alma


Certa vez, um amontoado de átomos
adquiriu inexplicavelmente o desejo
de ser mais do que matéria em movimento.
.
O criador, curioso ao perceber tal rebeldia
submergindo da luz e do caos,
decidiu, quase em um tom lúdico,
enviar àquela manifestação sete fadas
para lhe presentearem com dotes que o auxiliassem
na engenharia daquele novo e improvável universo.
.
Voz, a primeira fada,
voou por entre os orifícios da cabeça
e soprou-lhe o dom de inventar sentidos próprios
nos sons que era capaz de emitir.
.
Mãos, a segunda fada,
atravessou seus poros até atingir seus ossos,
seguindo os braços até as suas extremidades
e lá deixou a habilidade de transformar as formas à sua volta
apenas pelo contato com seus dedos.
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Paixão, a terceira fada,
rasgou-lhe o peito para lhe enfiar sua adaga
que continha o poder de se entorpecer e se entregar à cegueira
diante de um outro ser.
.
Conhecimento, a quarta fada,
nadou por toda a sua carne
espalhando por todo o corpo
a capacidade de salvar a sua história
por meio de escritos, imagens e objetos.
.
Política, a quinta fada,
mergulhou em seu sangue
e lhe inoculou a aptidão de se organizar socialmente
em sistemas, classes e disciplinas.
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Karma, a sexta fada
(que também respondia pelo nome de Neurose),
escorregou pelo couro cabeludo para lhe derramar
a capacidade de lutar contra a própria felicidade.
.
Dor, a sétima e última fada,
beijou seus olhos
e lhe ofertou a capacidade de chorar.
.
Feliz com seu feito, o criador agradeceu
e despediu-se das fadas.
Porém, temeroso de ser alcançado
pelos poderes concedidos àquela nova criatura,
o criador lançou àquele ser um feitiço:
Não teria jamais a certeza de coisa alguma.
.
Feito isto, pôs-se a dormir, invisível.
.
E aquele ser que acordava
e já não aceitava mais a sua pureza atômica,
passava seus dias a inventar, tal qual vício ou peste,
novas estruturas lingüísticas, estéticas, políticas e tecnológicas
para a dominação de seu povo e da natureza à sua volta.
Estas que, via de regra,
sempre geravam indefectíveis desastres
faziam-no passar todo o tempo buscando novas invenções
para consertar os próprios erros de outrora.
.
E mesmo se multiplicando em ritmo absurdamente acelerado,
o ser inventou a solidão.
Sentia-se agora tão só
que inventou em si um novo talento,
o dom de inventar deuses.
.
Da voz, compôs uma reza.
Das mãos, moldou o altar.
Da paixão, lançou-se ao culto.
Do conhecimento e da política, teceu a religião.
Da neurose, fez a culpa, a vergonha e o castigo.
.
O ser derramou assim
sobre a terra azul e seca,
de alegria e melancolia,
a primeira e doída lágrima,
junto à primeira prece.
.
.
Elas, que aí estão;
Elas, que não têm mais fim.
.
.
.
(texto e desenho: Chuí)

segunda-feira, julho 09, 2007

Sobre Ser Amado


Desde os primórdios da língua humana, fala-se muito no amor.
Porém, o amor é geralmente pensado como a arte de amar.
Do ponto de vista de quem ama.
A capacidade de se entregar
ao sentimento do amor por um outro ser,
como se este nem mesmo precisasse estar vivo
ou sequer ter existido.
Como se fosse mais importante
o sentimento do amor-entorpecente
do que o ato de ser capaz
de gerar no outro esse sentimento.
Penso na outra face, tão sublime quanto -
O exercício e o aprendizado de ser amado.

Porque ser amado é preciso.

Porque é preciso aprender a despertar o amor,
sem pudor ou receio
de ofender o mundo com o nosso brilho.
É preciso saber fazer a triagem.
Escolher as pessoas exatas
que vão se apaixonar pelas nossas paixões.
Aquelas que vão se atirar em nossos abismos.
Que bebam até a última gota de nossa sede.
Que se espelhem em nossa beleza.
Porque ser belo é algo mais nobre do que mirar o belo.
.
Porque ser amado é vital.
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É preciso saber nos afastar
daqueles que não são capazes de nos amar com convicção.
Afastar as pessoas que não são capazes
de nos olhar em nosso mais profundo e misterioso esplendor.
Porque os cegos são os que nos ensinam
a não vermos a nós mesmos.
Entre as tribos, escolher a que nos acolhe com desejo.
É preciso aprender a dar ao mundo
a chance de nos amar com a potência do inevitável.
Porque gerar o amor do outro por si é puro altruísmo.

Porque ser amado é ético.
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Porque amar é corpo e alma,
mas ser amado vai para além do corpo e da alma.
Pois os que amam matam o amor quando morrem,
enquanto que os que são amados
se perpetuam no tempo e no corpo de outrem.
Porque amar
é cultivar o próprio desfrute efêmero dessa química,
enquanto que ser amado
é aceitar a responsabilidade de ser para sempre.

Porque ser amado é político.

É preciso aprender a ser amado com força.
É preciso aprender a ser amado
com a intensidade de um terremoto.
É preciso aprender a ser amado
com a imensidão de um sol.
É preciso aprender a ser amado
a ponto de doer.
Ser amado como se não houvesse ninguém igual a nós.
Porque não há ninguém no mundo igual a nós.

Porque ser amado é urgente.

Porque ser amado é aceitar
que você dá sentido à existência de outro.
Porque ser amado é se abrir
para a experiência plena desta palavra.
Porque ser amado não tem nada a ver com auto-estima.
Porque desejar ser amado infinitamente não é,
e nunca será, uma forma de narcisismo.
Porque não ser amado é não saber amar.
.
Porque ser amado é salvar vidas.
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(Texto e desenho de Chuí)

quarta-feira, julho 04, 2007

A Metáfora de Django


Django era cigano e vivia em caravanas.
Banjo e violino ele tocava a noite toda.
Pra sobreviver vendia flores de papel.

Mas, logo aos 18, um incêndio aconteceu
queimando uma perna e também a mão esquerda.
Médicos disseram que ele não mais tocaria.

Mas com os dois dedos que ainda lhe restaram
Django inventou um jeito novo de tocar
Rápido e melódico, ele se torna uma lenda.

Foi quando o jazz negro americano mudou Django
e quando o branco Django então mudou o jazz.
Jazz é arte de, na vida nova, improvisar.

E, quando o Nazismo leva os parentes ciganos
para Auschwitz, ele segue improvisando.
Django sobrevive também à Segunda Guerra.

Muitos discos, gravações, viagem para América.
Django vira o maior guitarrista do planeta.
Vira referência, ganha fama entre os gigantes.

Mas, sem gasolina, um dia o seu carro enguiça,
e ele segue a pé, levando só o violão.
Deixa o automóvel abandonado na estrada.

Django já andava cansado daquela vida.
Resolveu deixar tudo para trás e ir morar
numa vila com a família - pescar e pintar.

............................. ***

Deixar de viver algo por falta de recursos
é a escolha dos covardes que não querem ver:
Estar vivo é fazer, de uma limitação, virtude.

Django é uma metáfora de vida e liberdade.
Dois dedos que restam de uma mão incendiada
podem ter ali, quem sabe, o tal dedo de Deus.


(texto e desenho de Chuí)