Visitantes

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Wow, The Dirty Darling! - Crônica de uma Banda de Garagem V


O Amor nos tempos do DD
Epígrafe de Batatinha
..
Amor
Não é questão de rima
É questão de sina
Acabar em dor
..
Bigatto
(hoje casado e feliz
com suas 7 filhas, aos 43 anos )


Naqueles tempos de colégio, não me lembro de ouvir a palavra amor nenhuma vez entre os integrantes do DD.
...
Parecia pra nós coisa do Phil Collins ou dos trocadilhos dos Engenheiros do Havaí.
Fizemos a canção-homenagem "A Metáfora Mortífera" a eles cujo refrão era "Nem tudo que reluz é ouro/ mas tudo que seduz é louro".
...
Depois de um cover dos Beatles que dizia "I´m so glad that she´s my little girl", Mamel disse, com seu forte sotaque de Mamel, que não tinha vontade de tocar aquilo novamente:
- Eu não estou tão feliz e muito menos tenho nenhuma little girl.
...
Amor era nosso tema fantasma ou fantasmagórico.
Tínhamos tanto pavor do amor que só falávamos de sexo.
Infantes selvagens pensando que pérolas eram pra jogar bolinha de gude.
...
Fazíamos canções em inglês sobre a dor de corno.
The fool era uma canção sobre o homem traído.
Girl era a canção de um homem com raiva de ter sido traído.
If you were mine era sobre um homem traído por uma mulher morta.
Pensávamos que ser um chifrudo rock'n'roll era mais bacana. Sofre, mas parece rir com o diabo.
...
Fazíamos canções em inglês sobre a dor de corno.
Tudo a ver, ninguém entendia mesmo o que era isso naquela época.
...
A frase do Bigatto é verídica.
- Meu epitáfio: Aqui jaz um homem que mais fez rir do que fez amor.
...
Ok, antes de sairmos do colégio, o Bigatto arranjou uma namorada.
Eu, por minha vez, fui a Tropical city. Mamel também foi.
Dissemos a todos que visitaríamos um museu.
...
No colégio, não me lembro de ouvir a palavra amor nenhuma vez entre os integrantes do DD. Ainda me pergunto onde o amor andaria nesta época.
Talvez estivesse escondido dentro de nossas acnes, pronto pra explodir e ser um rabisco no espelho.
...

domingo, janeiro 28, 2007

Genealogia de um Sorriso


Existe um gesto raro em mim: o sorriso.
Meu sorriso é realmente difícil. Não aprendi a sorrir como "oi", nem mesmo como um simples "boa tarde". Sinto meus músculos faciais desacostumados ou mesmo atrofiados ante a tal esforço. Nada pessoal ou blasé, sorrio pouco até para minha família, meus amigos próximos, meus colegas. E não é uma carranca ou problema algum com o riso. Muito pelo contrário, no exagero sou bom, rio das piadas mais infâmes, leio as cenas à minha volta buscando o lúdico, dou risadinhas, desperdiço gargalhadas.
Mas o sorriso, o que nos traz simpatia e graça, este eu não desenvolvi.
Talvez seja reflexo de um histórico de timidez. Possivelmente, influência de minha ascendência oriental. Contudo, retrocedendo na genealogia da minha moral, creio que, inconscientemente, acabei me condicionando desde a adolescência a pensar que sorrir é coisa de gente falsa, manipuladora ou superficial. Quiçá tenha aprendido com os filmes dos"tough guys" interpretados por Clint Eastwood e Marlon Brando que o sorriso deve ser apenas um instrumento da ironia.
Certo dia, assistindo a um outro gênero, vi um comerciante árabe interpretado por Omar Shariff dizendo a um garoto judeu que este deveria aprender a sorrir, com o que o guri respondeu "eu não sorrio porque não sou feliz, você sempre tem dinheiro na caixa, por isto sorri". O árabe citou o Torá e retrucou que seu lucro ali era pífio, e que as pessoas não sorriam por estarem felizes, mas era o sorriso em si que produzia a felicidade. Pensei que gostaria de ter visto esse filme há quinze anos, quando ainda havia salvação para minhas bochechas.
Hoje em dia eu me esforço (dentro do possível) nesta ação e admiro as pessoas sorridentes, invejo-as, sou um grande fã de sorrisos. Acompanho-os nos filmes, passo em slow motion no DVD. Percebo suas nuances, suas modalidades, estilos, níveis e as próprias variações pessoais de cada sorriso (umas cinco ou seis em cada pessoa, aproximadamente), bebo dos detalhes (infinitos), fixo meu olhar nas covinhas, nas rugas, nas dobras mais intimamente sutis de cada rosto alegre que se me apresenta.
Percebo o sorriso da boca quieta, degusto especialmente daquele que vem sob a forma de um brilho no olhar. Desta forma, aprendi com os tempos a identificar o meu próprio sorriso malocado no canto da boca e nos olhos; o pior é que eu descobri, tolo, que ele chega a ser evidente pra quem me vê.
Sou fácil de conquistar, basta sorrir para mim - talvez eu não saiba retribuir, mas certamente já estou ganho. Continuo repudiando o cinismo, a superficialidade e a falsidade da faces dos imbecis, mas agora virei um expert em matéria de sorrisos. Separo o joio do trigo.
E sigo, macambúzio.


(desenho: estudo para Graphic Novel de Chuí)

quarta-feira, janeiro 24, 2007

O que existe


Não existe a justiça. O que existe é a flor.
Não existe a justiça. O que existe é a raiva.
Não existe a justiça. O que existe é o sorriso da criança.
Não existe a justiça. O que existe é o corpo no chão.
Não existe a justiça. O que existe é o planeta em rotação.
Não existe a justiça. O que existe é o rastro de sangue.
Não existe a justiça. O que existe é a dor.
Não existe a justiça. O que existe é a literatura.
Não existe a justiça. O que existe é o sexo.
Não existe a justiça. O que existe é a solidão.
Não existe a justiça. O que existe é a morte.
Não existe a justiça. O que existe é o compromisso.
Não existe a justiça. O que existe é a fome.
Não existe a justiça. O que existe é o mato crescendo.
Não existe a justiça. O que existe é o mato queimando.
Não existe a justiça. O que existe é a bolsa de valores.
Não existe a justiça. O que existe é a depressão.
Não existe a justiça. O que existe é a casa grande.
Não existe a justiça. O que existe é a senzala.
Não existe a justiça. O que existe é o céu.
Não existe a justiça. O que existe é o fosso.
Não existe a justiça. O que existe é o rio.
Não existe a justiça. O que existe é o afogado.
Não existe a justiça. O que existe é o coma profundo.
Não existe a justiça. O que existe é o parto sem fim.
Não existe a justiça. O que existe é o desejo.
Não existe a justiça. O que existe é a revolução.
Não existe a justiça. O que existe é a história engavetada.
Não existe a justiça. O que existe é o conceito inacabado.
Não existe a justiça.
O que existe, dentro e fora da ficção,
é a luta pela justiça.

(texto e desenho de Chuí)

segunda-feira, janeiro 22, 2007

O Homem e a Luz


Você está vendo aquela cidade tão bela?
Sua vista iluminada e deslumbrante
esconde uma história cruel.
Será que você já foi até a ponte e viu a lua inacreditável
que submerge pintura impressionista
sobre o rio poluído?
Sobrevoa nesse instante um crime hediondo.
Quem sabe você foi a um monumento ou mirante
e pôde constatar a perfeição da sua arquitetura
em cores brilhantes
do ocre ao verde azulado?
O que se vê é uma mulher sem alma.
Note que, bem à sua frente,
a feiúra desmente os olhos e,
no esgoto que vaza
pelos poros abertos da avenida,
a fome, a solidão, o descaso, a sujeira
e toda a sorte de dores urbanas
diluem em poucos segundos
uma fragrância de lírios orientais.
Ninguém saberá dela.
Todavia, ela é a mágica contra bruxaria.
O mundo se move
e os vinte e cinco milhões de células olfativas que você possui
só percebem esse único odor,
movendo-se no espaço ao redor de si
como uma nave espacial.

(Fiz este desenho hoje. Goya, Miró, Frank Miller, Picasso, Escher, Gaudi e Will Eisner me convenceram que neste ano preciso fazer uma "graphic novel". Desejo um ano pleno de alegria, saúde, serenidade e coragem a todos que embarcaram nesta nave ou nau chamada 2007...)