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terça-feira, dezembro 18, 2007

O Sonho

- Pai?
- Oi, Pedro.
- Acordado ainda?
- Pois é, um pouco preocupado com seu avô que ainda está no hospital. Você quer conversar?
- Nada demais. Só um sonho que eu tive.
- Como era?
- Não sei bem, era um mundo do futuro.
- Que ano?
- Acho que não tinha ano.
- Hum, e o que tinha no seu sonho?
- No meu sonho éramos todos meio robôs, meio ciborgues...
- Uau!
- Todos tinham braços biônicos e vozes mudas. As pessoas passavam muito tempo sem se encostar, apenas se comunicavam por ondas e circuitos eletrônicos.
- Puxa, que inconsciente o seu... será que não são os remédios pra sua bronquite que interferem no seu sono?
- Sei lá... na verdade não era um pesadelo, era só estranho. Depois aparecia um homem nu pra mim e retirava sua pele como se fosse mudar de roupa, deixando que eu visse sua estrutura interna cheia de mecanismos metálicos e microcircuitos. Aí ele atirava a pele em minha frente e ela se tornava uma tela surrealista com uma frase pintada, acho que em sangue...
- Que frase?
- Estava escrito: "Isto não é um sonho". O que será que isso significa, pai?
- Não sei bem, mas acho que você tem assistido muito filme de Hollywood, filho... não se preocupe que os sonhos são assim mesmo, surrealistas. Isto não muda, sempre foi assim e sempre será, pros seus filhos, pra você, pra mim, pro seu avô...
- Aliás, e o vovô, como está?
- Tudo bem, mas teve de fazer essa outra cirurgia de ponte de safena. Agora ele depende cem por cento dela.
- Puxa, que droga... Pai, deixe eu mostrar um desenho que eu fiz do andróide pra você.
- Amanhã, Pedrinho. Não posso agora, pois estou sem lentes e tenho que dormir. Acordo muito cedo amanhã.
- Ok, pai, boa noite.
- Você vai dormir também?
- Não, tô sem sono. Vou ficar jogando aqui na net, mas qualquer coisa eu estou online, tá? Você sabe que aqui em Tokyo é cedinho quando aí é madrugada.
- Tá certo, fica bem. Beijo do pai.

Pai desconectou-se.
Pedro on-line.
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(texto e desenho de Chuí)

domingo, dezembro 09, 2007

Fernando Chuí convida Danny Vincent ENCRUZILHADA NA SÉ! - Nesta Quarta, 12/12

Nesta quarta, uma nova encruzilhada da música.
O evento Jazz na Caixa produzido pela Caixa Econômica une músicos de gerações diferentes em uma confluência de estilos e obras. Fechando o projeto do ano de 2007 produzido pela Brazilbizz, eu terei como convidado o veterano Bluesman (e já conhecido deste blog) Danny Vincent, parceiro de Flávio Guimarães e Nuno Mindelis e um dos pioneiros do blues paulista com um histórico de participação nos maiores festivais do gênero, além de ter aberto artistas como B.B. King.
O show mesclará arranjos de composições minhas e sambas antigos tocados com o sotaque blues ao estilo construído no Samblues. Danny dedicará toda a verve de sua pungente e sábia guitarra ao meu olhar de cantor e compositor urbano-brasileiro.
Tocando conosco, o infalível Guappo e sua gaita mágica.
O show acontecerá às 18h30 no Grande Salão do Edifício Sé (Praça da Sé, 111), fechando este belo projeto que pretende gerações e revelas afinidades musicais.
Fiz este convite-marcador-de-livros para chamar a todos para mais esta leitura coletiva da vida, e a entrada é franca. A apresentação fechará o meu ano musical e será uma benção tê-los por perto mais uma vez.
Beijos a todos,

Chuí

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Sexo


Aí você toma o meu corpo, suave;
e é como se me erguesse, cigarro. Ou
me empunhasse pra escrever um verso,
caneta. Ou só pra rabiscar. Me usasse
apenas pra se embelezar, batom. Ou
pra rabiscar mesmo. As pontas noturnas
dos seus dedos me digitassem a antepele
pra fazer sons comigo. Ou, você sabe,
só pra rabiscar. E ele (o meu corpo) escora-se e
esgota-se e evapora-se e pesa e pulsa nos seus
interiores. Sua maior força é a de não sabê-la
sequer; Ali onde não sou seu homem. Nem sua
mulher. E somente o desastre nos separa.
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(texto e desenho: Chuí)

segunda-feira, novembro 26, 2007

Samblues V




Amigos,
O Samblues chega à quinta e última apresentação do ano de 2007.
Samblues é das melhores coisas que me aconteceram neste ano tão cheio.
Pensei que cada lembrança destas apresentações deveriam ficar bem mapeadas na memória, e que gostaria muito de tê-las registradas em velhos cartões postais para que pudesse encontrá-los algum dia distante em meus alfarrábios de gaveta.
Daí, fiz estes convites-postais com a promessa de um lugar bom pra se visitar qualquer dia.
Pois Samblues sempre há de ser um acolhedor e alegre vilarejo - bom de se morar, visitar e lembrar.
Será nesta quinta, dia 29, lá no Syndikat. Várias versões novas de sambas antigos à maneira samblues. Paulo Vanzolini, Ney Lopes, Noel Rosa somam-se aos Adonirans, Cartolas e aos velhos blues.
Desta vez, eu e Guapponi receberemos convidados especialíssimos: o blues master Danny Vincent e o poeta e compositor Danilo Monteiro nos brindam com suas artes.
Adorarei vê-los por lá para esta celebração de final de ciclo.
Beijos a todos,
Chuí

segunda-feira, novembro 19, 2007

Nesta Quarta: Eu e Carpinejar no "Primeiro Popular de Literatura e Ruídos"


Nesta quarta, dia 21, às 19h30, farei uma apresentação ao lado de meu amigo e poeta gaúcho Fabrício Carpinejar aqui no SESC Consolação.
O evento chama-se Primeiro Popular de Literatura e Ruídos e é organizado pelo escritor Paulo Scott. Compõe-se de cinco blocos de intervenções literárias e musicais, marcadas pelo improviso e realizadas por duplas ou trios de convidados. Sob parcerias inéditas e consagradas, aglutina nomes da produção literária e musical urbana contemporânea.
Eu e Fabro daremos continuidade aos dois encontros de 2006 (Poesia viva! e Canalha-Romântico) improvisando sobre leituras de poesias e crônicas de Carpinejar, canções novas minhas e até uma versão minimalista de Amado Batista.
Nesta mesma quarta também se apresentarão Paulo Scott(RS) & Flu(RJ), Xico Sá (SP) & Joca Reiners Terron (SP), Valério Oliveira (SP) & Nelson Oliveira (SP): e Fernanda D'umbra (SP) & Flávio Vajman (SP).
O SESC fica na rua Dr. Vila Nova, 245 Vila Buarque São Paulo.
A entrada é franca, apareçam que vai ser muito legal.
Beijos a todos,
Chuí

segunda-feira, novembro 12, 2007

Sobre o Impulso Maior


Tudo no universo nasce de um impulso.
E por impulsos tudo segue
se transformando e se enviesando,
negando-se a si próprio
até concluir que esta negação é impossível,
pois que em cada vez que se nega um fato,
o mesmo fato ao se negar
acaba, desta mesma forma,
por fatalmente se legitimar.

Na chamada vida humana, há quem pregue
que aquilo que faz o indivíduo crescer e se libertar
é a sua força pessoal, a sua coragem e obstinação.
Todavia, a coragem é fruto da mesma fonte
que ela pressupõe contrariar: o medo.

Por medo de esmorecer, luta-se.
Por medo da desordem, organiza-se.
Por medo de ser visto como fraco, torna-se forte.
Por medo de ser medíocre, torna-se brilhante.

Do medo resulta o impulso mais poderoso
dentre os que os seres humanos possuem.
Certamente maior que o sexo -
já que este deriva do corpo
e no corpo tem sua condenação -
enquanto que o medo provém,
além do corpo e das sentenças de cada cultura,
de forças espirituais como o amor, a morte e a vida.

Por medo de se perder
aquele a quem se ama ou de vê-lo ferido
encontra-se forças desconhecidas
que podem mudar todas as noções antes compreendidas.
O mesmo com o medo da morte
que faz o indivíduo buscar em si
potências pessoais em lugares antes inimagináveis.
E por medo da vida, tem-se o impulso da morte,
a ruptura do sonho de um corpo.

A pulsão do medo é provavelmente maior
do que o próprio impulso do pensamento.
Não perde nem ao menos
para a ambição e a perversidade humana,
duas pulsões que, na mesma medida,
sempre movimentaram as sociedades.

Nasce desse medo o impulso maior
que faz com que ergamos impérios
da mesma maneira como igualmente nos trancafiemos
na alcova dos impotentes.

É de fato o medo que apressa o homem
ao improvável motor do inevitável.


(texto e colagem: Chuí)

segunda-feira, novembro 05, 2007

Não é contra você


Não é contra você que eu luto. É contra a sua falta de bom senso.

Mas contra você não, bicho. Eu luto é contra os símbolos na bandeira que você está hasteando. Contra o futuro que você representa. Luto é contra o passado turvo que você não arreda pé, que você finca suas unhas mal feitas. Mas não é contra você.

É contra o seu entorno de esquecimento e desinteresse que eu luto, mano. É contra a sua falta de visão, que é a sua falta de pensamento. É contra o exército que alistou você e você nem se deu conta. É contra uma voz caquética que convenceram você que ela é sua. É contra esta bobagem senil que você se sente agora convocado à condição de autor e porta-voz. Mas não contra você.

Cara, eu luto é contra a sua idéia de luta. Contra a forma como você luta. É contra o uso que você faz das palavras.

É contra esse seu desamor disfarçado de posição política. É contra esse seu autoritarismo disfarçado de arte. É contra esse seu ódio disfarçado de religião.

Luto, sim, contra o seu potencial formador. Contra as armas que você usa na guerra. Contra a função para a qual você foi se pensa convocado. Eu luto uma modalidade de luta que você desconhece. Da sua luta cheia de dedos em riste e armas com gatilhos e botões, dessa eu passo longe. Desvio até. Não luto a sua luta, irmão - luto é contra ela.

Porque você não é só isso contra o que eu luto, velho. Mas eu luto todo dia contra isso em você. Pois quando você, meu amigo, se reduz a isto, é contra você em particular que eu luto. Porque eu luto todo dia contra isso em mim.

Porque eu luto, meu, é contra a mais remota possibilidade de um dia eu vir a me recrutar nesse seu lugar.
.
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(texto e ilustração de Chuí)

segunda-feira, outubro 29, 2007

(Sam)Blues para Danny Vincent

Hey, Danny!
Onde é que tu vais com essa guitarra na mão?
- Eu vou embora pro Brasil
tocar o blues desde os pampas ao sertão...
Hey, Danny!
Onde é que tu vais com essa guitarra que levas aí?
- Eu vou embora pro Brasil,
tocar o blues do Oiapoque ao Chuí...
Hey, Danny!
Vais fugir do Tango e tocar música ianque no país do samba?
Quantos deslizes! Não sabes mais o que dizes?
- Guri, Blues é Samba, Samba é Tango, Tango é Blues.
São estas nossas melhores cicatrizes.
Quem não ignora suas dores
carrega suas próprias raízes...
Hey, Danny!
Você vai trocar a segurança do seu lar
Por uma confusão de pedra e mangue?
- Guri, só posso ler no destino
aquilo que está escrito, não se zangue...
Hey, Danny!
Pra quê tanta verve? Pra quê tanta gana?
Parece até que tu vais duelar num bangue-bangue!
- Guri, o Blues é um livro
Que só se escreve com seu próprio sangue...
.
Danny veio da Argentina para o Brasil há dezessete anos. O pai de Danny era um grande músico. Tocava Tango. Era amigo de Carlos Gardel.
Danny toca um outro tipo de melancolia: o Blues. E como.
Danny é um cara simples. Um gentleman. No último sábado, eu toquei com este pioneiro do blues paulista em meio a um Syndikat - a charmosa casa que acolhe o Samblues - lotado. Era pra ser umas duas ou três músicas, mas a sintonia não deixou. Foi quase metade do show. O público, em boa parte desconhecido de nós, entrou no show de vez já no meio da primeira entrada. O resto eu nem me lembro bem, pura festa.
Assim, Danny se juntou a mim, a Guapponi e a Guimets no Samblues. E a Django, Lupicínio, Rufus Thomas, Adoniran, Robert Jonhson, João Bosco, Ray Charles...
Blues e sambas, outros tangos. Novas mãos em novas luvas.
Como diria Danny, o argentino Daniel: Maravilloso, Chuy...
Foi a prévia do show que faremos dia 12 de dezembro na Praça da Sé, em um projeto da Caixa Econômica Federal que une músicos de gerações distintas. Chuí convida Danny Vincent – produção da Brazil Bizz.
Danny me contou que prepara seu próximo cd há seis anos. Disse que é a melhor coisa que ele já fez na vida. Ora, se neste trabalho ele tocar metade do que tocou no Syndikat este sábado, o disco deve entrar pra história do blues nacional.
História em que Danny certamente já tem seu capítulo garantido.


(imagem: colagem sobre foto de Danny Vincent, por Chuí)

domingo, outubro 21, 2007

Saturday Night Samblues!

Sábado que vem, dia 27 de outubro, Me & Guappones faremos a quarta edição do Samblues!
Com base no repertório dos três shows anteriores - Adonirans, Djangos, Cartolas, Rays, Lupicínios, etc... - e com a participação essencial de Guima na guitarra faremos uma apresentação que deverá ser a prévia de uma futura e breve gravação.
E uma outra participação, inédita: Danny Vincent, um dos pioneiros do blues paulista, se junta a nós em uma imodesta JAM...
Neste Samblues especial de sábado, espero poder rever a todos que já compartilharam desta mestiçagem musical.
O Syndikat é na Rua Moacir Piza, 64, nos Jardins (reservas: 3375-9185).
Será muito bom tê-los novamente por perto.
Beijos a todos e até lá!
Chuí

domingo, outubro 14, 2007

Ciência e Poesia - Último Refúgio

( Para meu pai Menezes, poeta e físico,
que me ensina a desvendar poesias e declamar teorias)


O que a ciência propõe demonstrar
a poesia dá à luz.

Se Einstein tivesse sido poeta,
subiria sobre a mesa do bar
para declamar em voz alta:

Deus não joga dados!

(E mostraria-nos a sua língua,
pois que pra isso é que serve a língua de um poeta)

Freud faria quiçá um recital, declamaria
junto a um coro de mulheres histéricas:

Nenhum ser humano é capaz
de esconder um segredo.
Se a boca se cala, falam
as pontas dos dedos.

Marx gravaria um folk-rock,
acompanhado de guitarra e gaita de boca.
Nas rádios, ouviríamos o refrão:

A estrada do inferno/ é pavimentada/ com boas intenções!
A estrada do inferno/ é pavimentada/ com boas intenções!


Descartes publicaria em seu blog um haikai:

Penso, logo existo.
Viver sem pensar é viver sem existir -
Ter os olhos fechados
sem nunca os haver tentado abrir.

Leríamos Pitágoras,
volumes infinitos de equações líricas:

O universo é uma harmonia de contrários.
O homem é mortal por seus temores
e imortal por seus desejos.


Ora, se Sócrates fosse poeta,
sua obra resumiria a história da filosofia
a um único verso concreto:
.
S e i

Q u e N a d a

S e i
.
Que a ciência nos resgate a poesia.
E vice-versa.
Pois a poesia está no cume da ciência.
Ela é seu último refúgio.
E não se pode ver onde é início
e onde é desfecho nesta montanha.
É tudo parte da vida que existe,
sem pensar.

Se Deus existir, decerto que é um poeta.
.
.
(texto e ilustração de Chuí)

quinta-feira, outubro 04, 2007

Da Claridade e da Escuridão



A claridade ilude:
porque nos distingue.

A verdade é o lugar
onde fatalmente
o nosso corpo irá se chocar -
uma parede dura
em constante mutação.

Mas não há nenhum mistério
que não nos revele
muito mais de nós mesmos
do que qualquer convicção.

A escuridão apavora:
porque nos iguala.


(Texto e desenho de Chuí)

quarta-feira, outubro 03, 2007

Sobre os Idiotas

“Fui vencido em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras.
Tentei salvar os índios. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente.
Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar dos que me venceram”.
Darcy Ribeiro


Mas que guerra é esta que travamos
diariamente contra os idiotas?
E de que são feitas essas criaturas sombrias,
agentes da estupidez e do cinismo,
se multiplicando feito girinos por todos os cantos?

Difícil definir, mas podemos perceber
ao menos duas categorias claras de idiotas:
Aqueles que agem deliberadamente sobre uma plataforma fascista
e têm uma clara visão imutável de hegemonia;
e aqueles que sequer têm idéia de onde estão
e aprendem a se matar por meio da morte dos outros
(estes costumam preencher a primeira fileira do pelotão).

Dos mais escancarados a violentar nosso trânsito
aos extremamente sutis, travestidos de cordiais,
não se pode afirmar ao certo qual é o mais nefasto.
Contudo, todo mal registrado na história da humanidade
advém de alguma dessas duas manifestações humanas.
Pois nossa luta é contra um circulo vicioso:
Todo idiotice produz mais e mais o mal.
E toda maldade produz mais e mais idiotas.

Nesta batalha, nossas armas não se chamam armas,
mas temos que conhecer suas potencialidades bélicas
pois estas se tornam letais nas mãos dos idiotas.
Por isso estudamos, para nos defendermos.
Por isso permanecemos de pé
pra não deixarmos ao futuro
somente a herança devastadora da obra dos idiotas.

Da cegueira à indiferença.
Do cinismo às armas de fogo.
Do elitismo ao autoritarismo.
Todas as armas deles são cunhadas
com o latão do desinteresse,
o bolor do ressentimento,
tudo embalado pelo papel da burrice
(o papel da burrice é muito grande ali
e com este devemos ter cuidado,
pois, não raro, costumam vir
disfarçadas de conhecimento).
As armas deles são tudo que tiverem à mão
para nos destituírem do brilho.
Porque brilhar dói demais
aos olhos de quem vive na escuridão.

Talvez a maior batalha contra os idiotas
seja a de não nos contaminarmos com sua peste.
Com sua inveja, seus preconceitos,
Sua raiva, sua frustração e, principalmente,
com sua poderosa e arcaica burrice.

Há quem diga
que eles são bem mais numerosos
e mais fortes do que nós.

Mas, sem dúvida alguma,
nós somos muito mais bonitos.

.

(texto e desenho de Chuí)

sábado, setembro 29, 2007

Sobre a Voz e os Popstars


Hoje, observando a esmo videos divulgados no Youtube de cantores internacionais como o popstar britânico Robbie Williams entre outros tantos, percebi que aquelas cenas das estrelas pop, em seus clichês de movimentação e trato com câmera e público, me traziam certa antipatia. Ora em videoclipes bem produzidos, ora em estádios lotados de massas humanas cantando em coro os refrões e agitando seus braços, constatei que eu tinha muito pouca afinidade com aquela estética. Normalmente, eu apenas fecharia aquelas “janelas” e voltaria ao meu assunto do dia. Entretanto, talvez temendo encarnar aquela postura mau-humorada de “velho que rejeita o novo”, tive um desejo de descobrir o que me afastava daquelas imagens.
Percebi que o que me incomodava, ao contrário do motivo que eu outrora atribuiria a isto, não era o enorme coro representando aquilo que Freud chamou de “sentimento oceânico”, que dizia respeito à emoção coletiva e alienante dos cultos religiosos, sendo que cada vez mais eu acredito no potencial da música e da arte como criação de ritos, celebrações, encontros com pessoas e com algo como a nossa “alma universal” - pois quanto mais nos aproximamos de nós, chegamos invariavelmente mais perto do universal; também não era nada diretamente crítico à idéia da indústria cultural, à produção sistemática de produtos artísticos para uma massa ingênua. Nada disso. A produção dentro do campo da indústria é também um campo de conflito estético e criação de novas culturas.
O que me deixava um tanto indisposto com relação àquela cênica era a displicência para com o canto e, mais especificamente, para com a voz. Não que houvesse desafinações a toda prova, muito pelo contrário, tratava-se sempre de cantores afinados, bem impostados e adequados a seu contexto.
Refleti que o efeito que ali se dava surgia de uma imagem estudada para o contexto de grandes shows em lugares públicos ou para um contexto televisivo. Um canto incorporado à construção dos eventos apenas como mais um dos elementos cênicos e, dessa forma, se apresentava esvaziado de sua poética própria.
Pensei na voz humana e no seu potencial específico nos campos visuais, musicais e literários. Sem a voz humana, não haveria música. Os instrumentos imitam o canto humano e os sons da natureza: a voz. A voz é som, texto e construção de imagens. Sem a voz, não haveria o verbo e, conseqüentemente, a literatura, a poesia, a canção. A voz é o nome que se dá, em literatura, à força poética do escritor.
A voz forja o discurso e a pintura. Porém, na cena popstar o discurso deseja forjar a voz. Nada contra o espetáculo; que contradição seria isto vindo de mim, que adoro shows – fazê-los ou assistir a eles.
Uma das quatro bases do movimento Hip Hop é o MC, o rapper. MC é Mestre de Cerimônias. Ele possui esta legenda por ter surgido como animador de eventos que aliavam música, pintura nos muros(grafite) e dança de rua nas comunidades excluídas de Nova Yorque formadas por negros e latinos. Naquele contexto, a voz potencializou-se musicalmente, exacerbando aquilo que já havia no canto falado das canções “folk”, e abrindo portas que modificariam profundamente as estruturas da música popular mundial. Era a voz em um contexto de ritual coletivo sim, mas uma voz ativa inventando possibilidades.
No rock, costuma-se chamar os músicos que, ao tocar, fazem expressões faciais ou corporais exageradas de “posers”, pessoas que posam demais no palco. Não obstante, é mais do que evidente que a cênica encontre seu espaço quando é oriunda de uma voz. O corpo é voz em Elvis, em Hendrix, em Björk, em Maria Bethânia. Mas não em Robbie Williams.
É também possível que grandes artistas levados ao contexto pop televisivo diluam - se mal projetados para esta tela - muito da força expressiva de sua música, de sua poesia, de sua pintura – sua voz. A voz em cada contexto deve ser adequada a ele, mas não soterrada.
Porque a imagem se constrói por meio da voz e não em detrimento dela, como se ela fosse apenas um “teaser”. É provável que, sem esses contextos, o mesmo artista viesse a nos revelar melhor as suas cores – ou, se não, quiçá mudasse de sua área de atuação.
A pose dos popstars elevada a estética é o esvaziamento da voz - a invenção de uma fala oca. Enquanto a voz é o preenchimento e a invenção da alma. Alheia ou própria de um corpo que se olha.
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(texto e ilustração de Chuí)

domingo, setembro 23, 2007

Mila - Cordel Urbano IV


Vou lhes contar uma história agora
(ao menos é assim como eu me lembro)
de um avião que colide num prédio.
E olha, não é 11 de setembro.
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E a cidade põe-se em alvoroço
diante da catástrofe terrível,
pois que ninguém é capaz de aceitar
evento assim tão incompreensível.
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O corpo de bombeiros chega logo,
mas sequer acham um sobrevivente.
O edifício em chamas vira agora
o espetáculo mais comovente.
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Mas num espanto, grita um dos bombeiros:
"Meu Deus do céu, que coisa mais estranha!"
Os outros vêm e dele se aproximam
pra ver aquela loucura tamanha.
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Deitada ao colo de uma das vítimas
há uma boneca qual assombração -
feita de pano e louça ela não tem
queimados, nem sequer um arranhão.
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Em sites, revistas, TV, jornais
torna-se logo assunto comovente.
No Youtube há mil declarações
sobre a boneca azul sobrevivente.
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Eu sei que pode parecer mentira
mas é verdade sim, peço que escute,
em poucas horas já tem cem mil fãs
e cem comunidades no orkut.
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Já pedem sua guarda em Brasília,
mas a população indignada,
como em um show, faz fila em frente às ruínas
e exige que ela seja ali deixada.
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E toda vez que alguém se aproxima
as coisas mais incríveis acontecem.
As dores curam e os cegos vêem.
Tumores, mágoas já desaparecem.
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E dos milagres que aqui se dão
na Casa Branca, um assessor já fala
ao presidente americano que
lhe dá a carta branca pra buscá-la.
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Mas antes que isso possa acontecer
o Vaticano pede a sua guarda.
Diz que a boneca deve ir a Roma
para em dias ser canonizada.
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E o povo se revolta com a disputa.
Sai pelas ruas e agora canta
um coro de protesto e proteção:
"Jamais nos tirarão a nossa santa!"
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E eis que, quase guerra declarada,
a bonequinha então desaparece.
Caos e revolta generalizada.
E ninguém viu nem sabe o que acontece.
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O mundo agora reclama sua volta.
Um deputado faz greve de fome.
Mas já não há sequer algum sinal
daquela santa que nem tem um nome.
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E o prefeito decreta feriado.
Envia até a polícia militar
pra descobrir o paradeiro dela.
O povo todo põe-se a procurar.
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Após uma semana de procura,
a bonequinha azul é encontrada
numa menina agarrada em si
dormindo só, à beira da calçada.
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Chorando de tristeza ela segura
aquela linda boneca de louça,
gritando "Mila! Mila, não me deixe!"
mas já não há ninguém ali que a ouça.
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E a boneca que agora tem nome
lhe é tirada à força pelo povo
que a carrega numa passeata
e já celebra a salvação de novo.
.
Mas um agora tenta lhe beijar
e o povo nas ruas se acotovela.
Há gritaria e pisoteamento
para tentarem chegar perto dela.
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E vejam só, já não há mais milagres.
Há cada vez mais cegos, não há mágica.
E a população, que antes cantava,
se envergonha com a cena trágica:
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É que ao tirarem da menina a santa,
ela acabou também pisoteada.
Um vira-lata lambe então seu sangue,
ao lado da sarjeta, desmaiada.
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E o povo então, com dor na consciência,
devolve a ela a boneca divina.
De mão em mão a boneca é passada
até chegar ao colo da menina.
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Assim que ela é tocada pela santa,
seus olhos se abrem de felicidade:
"Oh, minha Mila, que bom que você
voltou pra mim, pra nossa amizade!"
.
E a cidade volta ao caos normal
como se esta fosse a sua sina.
Mas toda noite Mila é protegida
pelo calor do corpo da menina.
.
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(Texto e desenho de Chuí)

quinta-feira, setembro 20, 2007

Estrela Morta II

(Esta noite, pesquisando na internet, me deparei com esta foto da morte de uma estrela. Pensei na morte, nas estrelas, na minha própria canção. No texto de uma velha amiga que li por esses dias sobre as saudades de sua linda avó. E em uma outra pessoa querida, tristíssima com a doença de seu pai. Vieram-me à mente, não sei bem porquê, os versos lendários de Luiz Gonzaga. E uma paródia, fatal.)

Quando olhar meu corpo ardente
qual fogueira de São João,
saiba que o fogo
é como o céu, vai
se apagar, mas não morre, não.

Se ontem eu fui pó-de-estrela,
adubo amanhã a plantação.
Só tenho um corpo
e o seu amor, viu,
saudade é reencarnação.

Quando um dia lhe tocar
uma triste solidão,
espere a chuva
cair de novo
que eu torno em gotas pro seu sertão.

Até mesmo estrela morta
sobrevive sem razão.
Então não há mais
adeus, Rosinha.
Guarde no ventre esta oração.

Quando o negro dos meus olhos
se espalhar na escuridão,
eu lhe asseguro,
não chore não, viu,
que eu voltarei no seu coração.


(Imagem: fotografia da morte de uma estrela/Texto: Chuí)

sexta-feira, setembro 14, 2007

6 E MEIA


Quem jamais houvesse habitado, ou mesmo visto a metrópole (este estranho organismo repleto de seres correndo contra o tempo - como se o tempo fosse um poderoso vilão), por certo estranharia esses enigmáticos buracos nas laterais das calçadas.
Ao ouvir a alcunha de “boca-de-lobo”, talvez imaginasse um ser humano sendo engolido pela fera, agonizando com os braços e a cabeça ainda para fora. Quem sabe no instante seguinte vislumbrasse naquela boca outro dono, quiçá um rato a comer um pedaço de queijo.
Esse rato agora voa, é um morcego exibindo suas presas com sangue (sem dúvida sangue humano; pois que não ainda não se tem notícia do sangue da cidade). Fidel e Che, lado a lado, aguardam firmemente a próxima enchente para se entorpecerem com os nossos detritos tóxicos. Um pirata que não está só. Com apenas um olho nos vê e tem ao lado o papagaio que lhe conta piadas sobre nosso patético cotidiano. E ainda outra face que vem tragar, não o cigarro em sua mão, mas nosso próprio espírito citadino encarnado (ou empedrado?) e mau-encarado, nos baforando de volta a nossa própria poluição.
Surpreendam-se!
Estas imagens não surgiram de mentes fantasiosas de outra era ou de outro planeta, mas de jovens artistas oriundos da própria cena metropolitana.
O Projeto 6 E MEIA, dos artistas urbanos Anderson Augusto e Leonardo Delafuente, desafia a estética caótica da urbis com uma estética urbana do caos, e renova - ao trocar o suporte dos muros pelos bueiros – a própria escola do Grafite da qual fazem parte, atribuindo, com estilos próprios para além dos cânones do movimento, vida e graça a essas bocas famintas da metrópole.
Como no contundente trabalho feito sobre a tampa de concreto arrebentada onde a pintura nos mostra dentes humanos arrancados por sabe-se lá qual surra ou catástrofe urbana sofrida. 6 E MEIA nos mostra que são nossos os órgãos fraturados quando a cidade se espatifa em si.
Há nessas obras algo para além de cômico. Para além de belo. Crítico e, ao mesmo tempo, leve.
Parem tudo e olhem pra Ela! A boca do lixo não cala, faz-nos rir de nós mesmos: Refletirmo-nos - qual espelho a nos ironizar e salvar. Em plena hora do rush, o vilão agora se assombra. O relógio urbano bate 6 E MEIA em qualquer parte.
É hora de matar o tempo – com o veneno da arte.
http://www.6emeia.com/

(Texto de Chuí para a exposição de fotos do projeto 6EMEIA de Leonardo Delafuente e Anderson Augusto/ foto: intervenção do grupo 6EMEIA)

O SAMBLUES 3!

Amigos, mais uma noite deliciosa de Samblues no Syndikat ontem.
Obrigado aos que participaram conosco desse encontro que já é ritual.
Um beijo especial para meu tio Guilherme que veio de Santos para conhecer o trabalho, e para Silvia e Lena, sempre presentes engrossando fortemente o coro do nosso "Drops".
E um agradecimento renovado ao meu brodíssimo Hamer - que cara sensacional - por toda a força no projeto, pela viola e pelo backing vocal bêbado no Tem Cará, Tem Cascudo e tem Traíra.
Já aproveito para convidar a todos para o Samblues 4! que deve acontecer na terceira semana de outubro e aproveitarei para celebrar meu aniversário nesta festa tão boa.
Valeu Guimets, sua guitarra é um luxo.
Vai lá, Guapponi! Tão grande na gaita como no espírito!
Quanto privilégio o meu.
Beijos a todos,
Chuí

(imagem: Guima/Chuí/Guappo 2006 - foto: Vinícius "Fênix')

domingo, setembro 09, 2007

SAMBLUES 3!


Amigos,
Nesta quinta, mais uma edição do Samblues lá no Syndikat.
Mais Adoniran misturado com Django Reinhardt, Cartola misturado com Robert Jonhson, Albert King misturado com Jorge Benjor, etc.
Eu e Guapponi preparamos versões novas em folha para esta festa.
Mais músicas novas minhas - algumas oriundas de textos deste blog - e um improviso surpresa (sem ensaio!) de viola caipira com gaita blues.
Espero tê-los por perto para este novo ritual.
E que seja uma maravilha como os anteriores!
Beijos a todos e até lá!
Chuí

segunda-feira, setembro 03, 2007

A Crina


Cavalgo em teus escombros.
Na superfície, ruínas;
no fundo, uma paisagem.

Vejo ali um pulsar
muito maior do que a minha paz.
Dentro de mim, uma distância
que mergulha em tuas secas;
faz dos teus ruídos
minhas preces.
Não sei te montar;
só durmo agarrado a ti
para tragar pra dentro dos meus azuis
teus pesadelos.
Na superfície, eu te aperto;
no fundo, um espasmo.
Afago a crina de cinzas
e sopro meu nome sobre ela.
Sob a nuvem de pó que se levanta
um vermelho vivo se revela.
Sei que são brasas tuas bocas,
mas beijo-as mesmo assim.
Na superfície, me queimo;
no fundo, me protejo.

Pois tua miséria é um cavalo indomável,
sem dono, sem nome,
sem cabimento.
.
Na superfície, eu te necessito;
no fundo, eu te amo..
..
.
(texto e imagem: Chuí)

domingo, agosto 26, 2007

O palíndromo de Roma


Roma fundou
o oposto do amor:
o império de dentro
pra fora.

Crescer, crescer,
tornar-se maior
tomando mais e mais
territórios à sua volta.
Assim se inventou
o conquistador:
Alexandre, Julio César, Don Juan.
De mil espaços,
de mil governos,
de mil mulheres.
.
Foi assim também
que se instaurou
o império da metrópole.
Os geógrafos nos explicam,
a urbis é o organismo
que cresce para os lados:
para fora.
Com seus milhões de carros, de casas,
de gentes e de ausências -
Acelerado, desordenado
e para fora.

Assim se faz devastar
o lugar chamado amor.
Fecundando paixões falsas e suicidas,
gotas de perfume, lágrimas
que se derramam sobre um rio negro,
circulos que se desenham
e se desmancham
ao crescer para fora.
.
O amor é o contrário da metrópole,
cresce para dentro
quando a lógica seria transbordar,
não de alegria,
mas por falta de espaço,
falta de tempo.
Pois o tempo do amor
corre à margem do império -
uma margem que corre dentro.
.
Roma e Amor -
um palíndromo não é por acaso.
(acaso é a morte de todos nós)
O amor é uma força contínua
que só é capaz de crescer
para dentro.
.
Para dentro,
é somente para dentro
que todos os caminhos
levam a amoR.
.

(texto e desenho de Chuí)

segunda-feira, agosto 20, 2007

O Nome do Rei

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- Eu sou o Rei da cidade! - bradou o homem,
ao acordar em meio a notícias de anteontem
de seu sono profundo às cinco e meia da tarde
em plena avenida Paulista.
Chamava-se Rei, mas
- Mãe, aquele homem parece um macaco!
Carla segurava forte a mão da mãe com os olhos vidrados
naquela curiosa aparição.
Chamava-se Macaco, mas
- Não olha não, minha filha,
vai que esse homem vem falar com a gente.
Meu Deus, ele deve dormir com os ratos...
A mulher obesa de cabelos vermelhos nomeada Ruth
apertou o passo, machucando o braço da menina
com a boneca de baixo do braço direito.
Afastou-se em instantes da visão insólita
sem olhar para o rosto do mendigo.
Chamava-se Rato, mas
- Velho, olha aquele figura ali de pé...
- Nooossa, meu, parece o Napoleão.
Marco e Rafael, vindos do cursinho,
riam e brindavam com seus copos de cerveja
a vagabundagem personificada por aquele que
chamava-se Napoleão, mas
- Sai da frente, ô velho idiota!!!
De terno fino, Augusto cortava a fala tensa ao celular
para aquele justo xingamento, dado o inconveniente
daquela presença no meio da calçada
bloqueando seu andar apressado
do executivo em apuros.
Chamava-se Velho Idiota, mas
.
- Eu sou o sono dos bons! Sou o sonho dos cães!
.
Eram cinco e trinta e sete da tarde
quando delírios em preto e branco
salvaram a espécie humana
da extinção.
.
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(texto e desenho de Chuí)

domingo, agosto 12, 2007

A Execução


Um segundo de lucidez
se anunciou como meu carrasco.
Trazia o emblema da verdade
no fronte de um uniforme de general.
Ordenou gaboso minha sentença
como quem declamasse
um poema decorado de outro.
Sobre o chão, que craquelava em múltiplas ausências,
aquele segundo de aço veio marchando
por entre aquelas varizes de silêncio
que se desenhavam à minha volta
desbravando meus terrenos
com seus facões e retóricas
até invadir o meu peito
como um membro artificial
reclamando-me uma vaga.
.
Foi quando ocorreu a execução.
O segundo, que não me deixou saída
a não ser transbordar de mim,
fez-se do metal à pedra à areia ao vento,
executando-se a si mesmo
como em todo assassinato oficial.
.
Fui-me para sempre.
Deixei tudo ali,
levei apenas meu corpo.
E me atirei nessa hora
para dentro do você.
.
.
(texto e desenho de Chuí)

domingo, agosto 05, 2007

Dois Fogos

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Há na alma algo de metal
que se funde em coisas sem nome.
Há no corpo algo de papel
que se queima ao inevitável.
Há no universo algo de plástico
que se derrete, anti-galáxia.
Há na memória algo de pano
que se eleva, bandeira em chamas.
.
E há dois tipos de fogo:
um que lume
e outro que incêndio;
um que ardor
e outro destruição;
um que cauteriza
e outro que carboniza;
um que aceso
e outro que apago;
um que dança qual labareda
e outro que agoniza qual epilético;
um que calor
e outro que dor.
.
Há dois tipos de fogo:
o primeiro é o mesmo que o segundo.
Filhos da mesma combustão,
da mesma fumaça -
um é pai do outro
e vice-versa.
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Cuidemos, pois, da brasa e do carvão.
.
Dois,
em cada um de nós.
Que o mesmo fogo
segue os dias a cinzelar.


(Texto e desenho de Chuí)

quarta-feira, julho 25, 2007

SAMBLUES 2!



Amigos,
Na próxima terça, dia 31, haverá mais uma sessão do SAMBLUES!, o ritual de celebração da miscigenação estética...
Com a felicidade do primeiro, estamos de volta e desta vez, um carinho de final de férias: É DE GRAÇA!
Eu e o gaitista Guappo faremos, no Syndikat Jazz Club, releituras de sambas antigos em versões blues e jazzy.
Versões de sambas apresentadas no SAMBLUES 1 + novas versões de sambas antigos + uma homenagem a Django Reinhardt + músicas de meus 2 cds + 3 músicas novas minhas + bons e velhos blues = SAMBLUES2!
Em meio a tanto Blues e desencontro na vida real, é bom encontrar novos e velhos amigos para comemorar a alegria.
Beijos a todos,
Fernando Chuí

domingo, julho 22, 2007

A Invenção da Alma


Certa vez, um amontoado de átomos
adquiriu inexplicavelmente o desejo
de ser mais do que matéria em movimento.
.
O criador, curioso ao perceber tal rebeldia
submergindo da luz e do caos,
decidiu, quase em um tom lúdico,
enviar àquela manifestação sete fadas
para lhe presentearem com dotes que o auxiliassem
na engenharia daquele novo e improvável universo.
.
Voz, a primeira fada,
voou por entre os orifícios da cabeça
e soprou-lhe o dom de inventar sentidos próprios
nos sons que era capaz de emitir.
.
Mãos, a segunda fada,
atravessou seus poros até atingir seus ossos,
seguindo os braços até as suas extremidades
e lá deixou a habilidade de transformar as formas à sua volta
apenas pelo contato com seus dedos.
.
Paixão, a terceira fada,
rasgou-lhe o peito para lhe enfiar sua adaga
que continha o poder de se entorpecer e se entregar à cegueira
diante de um outro ser.
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Conhecimento, a quarta fada,
nadou por toda a sua carne
espalhando por todo o corpo
a capacidade de salvar a sua história
por meio de escritos, imagens e objetos.
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Política, a quinta fada,
mergulhou em seu sangue
e lhe inoculou a aptidão de se organizar socialmente
em sistemas, classes e disciplinas.
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Karma, a sexta fada
(que também respondia pelo nome de Neurose),
escorregou pelo couro cabeludo para lhe derramar
a capacidade de lutar contra a própria felicidade.
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Dor, a sétima e última fada,
beijou seus olhos
e lhe ofertou a capacidade de chorar.
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Feliz com seu feito, o criador agradeceu
e despediu-se das fadas.
Porém, temeroso de ser alcançado
pelos poderes concedidos àquela nova criatura,
o criador lançou àquele ser um feitiço:
Não teria jamais a certeza de coisa alguma.
.
Feito isto, pôs-se a dormir, invisível.
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E aquele ser que acordava
e já não aceitava mais a sua pureza atômica,
passava seus dias a inventar, tal qual vício ou peste,
novas estruturas lingüísticas, estéticas, políticas e tecnológicas
para a dominação de seu povo e da natureza à sua volta.
Estas que, via de regra,
sempre geravam indefectíveis desastres
faziam-no passar todo o tempo buscando novas invenções
para consertar os próprios erros de outrora.
.
E mesmo se multiplicando em ritmo absurdamente acelerado,
o ser inventou a solidão.
Sentia-se agora tão só
que inventou em si um novo talento,
o dom de inventar deuses.
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Da voz, compôs uma reza.
Das mãos, moldou o altar.
Da paixão, lançou-se ao culto.
Do conhecimento e da política, teceu a religião.
Da neurose, fez a culpa, a vergonha e o castigo.
.
O ser derramou assim
sobre a terra azul e seca,
de alegria e melancolia,
a primeira e doída lágrima,
junto à primeira prece.
.
.
Elas, que aí estão;
Elas, que não têm mais fim.
.
.
.
(texto e desenho: Chuí)

segunda-feira, julho 09, 2007

Sobre Ser Amado


Desde os primórdios da língua humana, fala-se muito no amor.
Porém, o amor é geralmente pensado como a arte de amar.
Do ponto de vista de quem ama.
A capacidade de se entregar
ao sentimento do amor por um outro ser,
como se este nem mesmo precisasse estar vivo
ou sequer ter existido.
Como se fosse mais importante
o sentimento do amor-entorpecente
do que o ato de ser capaz
de gerar no outro esse sentimento.
Penso na outra face, tão sublime quanto -
O exercício e o aprendizado de ser amado.

Porque ser amado é preciso.

Porque é preciso aprender a despertar o amor,
sem pudor ou receio
de ofender o mundo com o nosso brilho.
É preciso saber fazer a triagem.
Escolher as pessoas exatas
que vão se apaixonar pelas nossas paixões.
Aquelas que vão se atirar em nossos abismos.
Que bebam até a última gota de nossa sede.
Que se espelhem em nossa beleza.
Porque ser belo é algo mais nobre do que mirar o belo.
.
Porque ser amado é vital.
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É preciso saber nos afastar
daqueles que não são capazes de nos amar com convicção.
Afastar as pessoas que não são capazes
de nos olhar em nosso mais profundo e misterioso esplendor.
Porque os cegos são os que nos ensinam
a não vermos a nós mesmos.
Entre as tribos, escolher a que nos acolhe com desejo.
É preciso aprender a dar ao mundo
a chance de nos amar com a potência do inevitável.
Porque gerar o amor do outro por si é puro altruísmo.

Porque ser amado é ético.
.
Porque amar é corpo e alma,
mas ser amado vai para além do corpo e da alma.
Pois os que amam matam o amor quando morrem,
enquanto que os que são amados
se perpetuam no tempo e no corpo de outrem.
Porque amar
é cultivar o próprio desfrute efêmero dessa química,
enquanto que ser amado
é aceitar a responsabilidade de ser para sempre.

Porque ser amado é político.

É preciso aprender a ser amado com força.
É preciso aprender a ser amado
com a intensidade de um terremoto.
É preciso aprender a ser amado
com a imensidão de um sol.
É preciso aprender a ser amado
a ponto de doer.
Ser amado como se não houvesse ninguém igual a nós.
Porque não há ninguém no mundo igual a nós.

Porque ser amado é urgente.

Porque ser amado é aceitar
que você dá sentido à existência de outro.
Porque ser amado é se abrir
para a experiência plena desta palavra.
Porque ser amado não tem nada a ver com auto-estima.
Porque desejar ser amado infinitamente não é,
e nunca será, uma forma de narcisismo.
Porque não ser amado é não saber amar.
.
Porque ser amado é salvar vidas.
.
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(Texto e desenho de Chuí)

quarta-feira, julho 04, 2007

A Metáfora de Django


Django era cigano e vivia em caravanas.
Banjo e violino ele tocava a noite toda.
Pra sobreviver vendia flores de papel.

Mas, logo aos 18, um incêndio aconteceu
queimando uma perna e também a mão esquerda.
Médicos disseram que ele não mais tocaria.

Mas com os dois dedos que ainda lhe restaram
Django inventou um jeito novo de tocar
Rápido e melódico, ele se torna uma lenda.

Foi quando o jazz negro americano mudou Django
e quando o branco Django então mudou o jazz.
Jazz é arte de, na vida nova, improvisar.

E, quando o Nazismo leva os parentes ciganos
para Auschwitz, ele segue improvisando.
Django sobrevive também à Segunda Guerra.

Muitos discos, gravações, viagem para América.
Django vira o maior guitarrista do planeta.
Vira referência, ganha fama entre os gigantes.

Mas, sem gasolina, um dia o seu carro enguiça,
e ele segue a pé, levando só o violão.
Deixa o automóvel abandonado na estrada.

Django já andava cansado daquela vida.
Resolveu deixar tudo para trás e ir morar
numa vila com a família - pescar e pintar.

............................. ***

Deixar de viver algo por falta de recursos
é a escolha dos covardes que não querem ver:
Estar vivo é fazer, de uma limitação, virtude.

Django é uma metáfora de vida e liberdade.
Dois dedos que restam de uma mão incendiada
podem ter ali, quem sabe, o tal dedo de Deus.


(texto e desenho de Chuí)

domingo, junho 24, 2007

Parábola


Ao alcançar o topo da montanha,
meta de uma vida inteira de estratégias e batalhas,
o homem teve a impressão de não haver mais limites para si.
Nesse instante, ajoelhou-se
como que em um reflexo natural de sua redenção.
Iludido, abaixou a cabeça e olhou para baixo,
buscando enxergar o caminho trilhado
e se regozijar ante à longa e heróica trajetória.
Todavia, não vislumbrando mais para onde subir,
não pôde deixar de se curvar diante do fato
de que não podia por fim tocar o firmamento.
A vitória lhe trazia o claro indício do fracasso.
Fragilizado, mais pela constatação
do que pelo cansaço da escalada,
teve o impulso de se jogar dali do cume
para o início de tudo, reencontrar o marco inicial,
o ponto zero; fechar a parábola,
cumprir o restante do arco que o separava das pedras.
Naquele segundo, mirou sem querer
o desenho do próprio rosto entre os rochedos.
Percebeu que agora só lhe restavam dois caminhos possíveis.
O primeiro era apagar-se daquela maneira,
como um raio que invejasse as estrelas.
E um outro, que se fez evidente
como a dança viva e morta do zodíaco
a enlaçar futuro e passado.
Esqueceu então os pontos da paisagem
que definiam onde acabava a montanha
e onde começava o homem.
Desta forma, ascendeu ao céu.
.
Na vida, os limites são somente linhas divisórias
entre aquilo que se imagina desejar
e aquilo que se permite viver.
.

(texto e desenho de Chuí)

terça-feira, junho 12, 2007

Soneto de Infidelidade

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Soneto de Infidelidade
(Para Marcia, minha eternidade)
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De tudo em ti, o que eu mais desejo

é justo o que eu ainda desconheço.

Da flor, o ocaso; o pólen de um começo

que te faz renascer a cada beijo.



Daquela que eu amei noutro festejo

o que restou eu hoje já me esqueço.

A tua nova pele hoje eu teço

e já não és a mesma quando eu vejo.



Confesso meu deslize e falo sério:

Te traio contigo mesma todo dia

e espero então que me traias de volta.



Pois a paixão de ontem é vazia.

Mortal e eterno o amor é uma revolta

que arde os nossos corpos no mistério.
.
.
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(desenho extraído da HQ Indecifráveu de Chuí)

domingo, junho 10, 2007

A Ciranda


Qual é o seu nome?
Lá-lá-la-lá...
O meu? Escolha um você, tenho vários.
Recebo novos nomes a cada vez que eu mostro uma face.
Eu sei que dizem que eu sou tudo que se opõe ao bem,
que eu sou o vício e a moléstia,
o agente de todo infortúnio que acomete à dita civilização.
Ah, não dê bola pra gentinha. Lá-lá-la-lá...
Nada há de nos importar agora,
o destinou fez com que nos encontrássemos.
Você me pergunta se foi o azar? Qual a diferença, não é?
Não terá sido esta estranha forma de fome
que você agora experimenta?
Certamente a dúvida, sempre a dúvida,
trouxe você para perto de mim.
Foi ela, afinal, aquela que fundou a minha mitologia.
Sabe, você tem uma beleza que jamais ousaria descrever.
E eu, você não sabe bem o porquê,
mas desperto o seu apetite ou coisa que o valha.
Lá-lá-la-lá...
Ah, qual é o seu nome mesmo?
Confesso que não me importo, a bem da verdade,
com esse tipo de formalidade.
Quem deseja a alma não se liga a nomes.
Um rosto sugere nomes,
mas um nome não revela um rosto.
O seu, contudo, eu pretendo guardar.
Talvez não o seu nome atual,
mas o nome, este, que eu lhe dou agora
no momento em que você fecha os olhos
e me deixa entrar. Lá-lá-la-lá...
É preciso cuidado com o lugar de onde você me vê.
Eu sou exatamente aquele que nega sua visão.
Aquele que tenta seu coração.
Por mais que você tente negar. Lá-lá-la-lá...
Pensar que eu sou uma forma fora do seu ideal,
fora de você, é brincar com fogo.
Pois, apesar dos meus cabelos louros
e das minhas bochechas coradas,
meu único desejo é alisar seus cornos.
Lá-lá-la-lá...
Pois, enquanto você me vê como uma menininha,
eu é que vou brincar com a sua forma de bode,
doce, lépida e pueril,
como quem cantarola uma ciranda.
..
..
..
(texto e desenho: Chuí)

sexta-feira, junho 01, 2007

Tem Cará, Tem Cascudo e Tem Traíra (Cordel Urbano III)


Ontem foi a estréia do Samblues, minha parceria com Guappo.
Que maravilha que foi.
Não vou me alongar, mas devo dizer que não me lembro de ter tocado numa sintonia tão boa como na noite de ontem no Syndikat Jazz Club. O Guima, amado camarada e guitarrista, chegou para o segundo bloco - mais maravilhas.
No meio do processo de releituras de sambas, uma música nova surgiu, quiçá a primeira faixa de Samblues - o disco.
Falei um dia pro Guappo:
-E aí, fez alguma música?
-Não. Mas ontem eu entrei num boteco e um caboclo me disse: Tem cará, tem cascudo e tem traíra...
Depois de um tempo, a música se fez. Ontem, nosso caríssimo amigo Hamer subiu ao palco e a platéia se juntou ao refrão:
-Tem cará, tem cascudo e tem traíra!
Abaixo vai a letra de mais este cordel urbano.
Aos amigos que ontem engrossaram esse coro: Obrigado!
Beijos a todos!
..
Tem Cará, Tem Cascudo e Tem Traíra
(Cordel Urbano III)

Domingão, eu passei no boteco
pra beber e assistir o futebol.
Já pedi uma branquinha ao Maneco.
E pro jogo, uma Schincariol.

Um caboclo de lá do balcão
já me encara bem feio e me pisca.
Eu senti como se eu fosse a caça
que acabasse de morder a isca.

Timão tinha que ganhar do peixe
ou então já tava eliminado.
Já no início, perigo de gol,
mas o chute saiu pelo lado.

E eis que quando esquentava a partida,
o caboclo levanta e se vira.
Olha bem nos meus olhos e diz:
“Tem cará, tem cascudo e tem traíra.”

Tem cará, tem cascudo e tem traíra
Eu pensei, que diabos se passa?
Será que ele era um tipo de bruxo
ou efeito surreal da cachaça?

Nem tentei responder, resolvi
ficar quieto e já deixar pra lá
Desviei meu olhar do sujeito
e no jogo fui me concentrar.

A partida seguiu zero a zero.
No intervalo eu virei outra pinga
O caboclo assistia de costas.
Devia ser um tipo de mandinga.

Meia hora do segundo tempo
e só dava o Timão no ataque
O coração na boca era um barco
Afundando ao som de um tique-taque.

No finzinho do segundo tempo
Falta fora da área e o juiz pira.
Dá um pênalti pra nós e ouço outra vez:
“Tem cará, tem cascudo e tem traíra.”

Tem cará, tem cascudo e tem traíra
Eu pensei, que diabos se passa?
Será que ele era um tipo de bruxo
ou efeito surreal da cachaça?

O atacante se posicionou
E a torcida gritou sem cessar
O seu coro de mil pescadores
"Caiu na rede é peixe ê-ê-á!"

Lá foi ele no meio de tudo
E no canto direito ele mira.
Bola fora e agora eu que grito:
“Tem cará, tem cascudo e tem traíra!”

E a pancada rolou na geral
E a torcida invadiu o campo inteiro
Gritando “traidor” pro atacante
que fugiu escoltado pro chuveiro.

Tem cará, tem cascudo e tem traíra!
E o caboclo sumiu na trapaça!
Será que ele era um tipo de bruxo
ou efeito surreal da cachaça?
..
..
(texto e desenho: Chuí)

sexta-feira, maio 25, 2007

Samblues!

Amigos, Samblues na área.
Nesta quinta, dia 31 de Maio, apresentarei minha parceria com o gaitista Guappo: o show Samblues! – Música Urbana sem Fronteiras. Faremos um encontro do samba de raiz com o sentimento (ou feeling) do estilo blues, como já realizado em prévias realizadas nos últimos shows do Mandacaru de Pedra. Canções de autores como Adoniran Barbosa, Ismael Silva, Cartola e João Bosco com o acento e a interpretação inspirados no ritmo norte-americano, da sua forma mais tradicional até o seu encontro com as raízes do jazz.
Meu violão paulistano-brasileiro buscará resgatar minhas origens no Backyard´s - minha antiga banda de blues que eu tinha com meu irmão, há uns doze anos - e criar novas texturas, ao fundir-se em uma só estética urbana e sem fronteiras com a gaita inspirada, virtuosa e, ao mesmo tempo coesa de meu caríssimo Guappo, músico habituado às casas voltadas ao blues e ao jazz.
Dentro do repertório, também estão presentes canções dos meus dois discos “Feito a Mão” e “Nunca Vi Mandacaru”, como o samba-blues homônimo ao primeiro cd, o baião blues homônimo ao segundo e o blues brasileiro “Tubaína”, finalista do festival de Música da Rede Globo de 2000. O Syndikat Jazz Club fica na rua Moacir Piza, 64 - Cerq. Cesar/Jardins.
Adorarei tê-los outra vez (ou pela primeira) por perto!
Beijos a todos,
Chuí

domingo, maio 20, 2007

Eles


Na vida, o nosso diálogo mais importante
para uma compreensão mais fina da vida
é travado com os que não existem.
Grande falha, grande equívoco
cometem aqueles que segregam esses seres.
Pois são Eles, os que não existem,
os que nos salvam da psicose.
Eles nos revelam objetos e bichos
sem peles, pêlos ou cascas.
Eles escrevem livros que não existem em palavras e papéis.
Desenham formas sem suporte.
Cantam melodias matematicamente irrealizáveis.
Constróem máquinas que não têm função
sob o ponto de vista dos que existem.
Dizem tudo sem voz.
Deve ser esta a lição mais importante do mundo.
Ouvir muito bem aquilo que não está dito.
Ler aquilo que não está escrito.
Tocar a não-matéria.
Bebericar lentamente o vinho do impossível.
É de máxima importância que aprendamos mais e mais
a conversar com os que não existem.
Com o que não existe.
Conversar com os que não existem não é uma tarefa de loucos.
São chamados de loucos
aqueles que apenas preferiram não voltar,
maravilhados com o diálogo mágico com os que não existem.
Mas para os que, entre nós, realizam o contato com Eles,
o retorno é fundamental
para que se faça a sua transcrição.
Nessa hora o mundo se retraduz e se transforma,
ou então as artes seguem ampliando o seu universo paralelo.
E cada vez que uma das coisas que não existem
passa a se pronunciar na pintura da existência,
sete mil outras nascem imediatamente
do outro lado da tela.
E o mundo segue na ilusão de que o mundo de agora
não existia antes, negando a verdade,
intocável sob o prisma da ciência e da filosofia,
que nos diz que coisas que não existem
nunca deixarão de existir.
..
..
(texto e desenho de Chuí)

quarta-feira, maio 09, 2007

A Visita do Diabo à Cidade (Cordel Urbano II)


Quando o diabo visitou a cidade,
teve parada na Paulista e confete,
rádio e TV, torpedo pros celulares,
multidão e tempo real na Internet.

E os jornais narravam todo o evento.
Falavam disso de domingo a domingo.
Nos descreviam seu café da manhã.
Vendiam pôsters com a cara do gringo.

E a quarta-feira interrompeu a metrópole.
O presidente fez comício primeiro.
E de um Mercedes o demônio saiu,
num manto branco, distribuindo dinheiro.

E no palanque ele subiu imponente
e a voz rugiu no megafone vermelho.
Firmou o cenho mirando o mar de gente.
Falou pra nós como quem fala pro espelho:

“Desde o dia em que vocês me pariram,
eu digo isto e já repito de novo.
Entendam que falo pro seu próprio bem
que a razão é sempre o ópio do povo.

Vim pra dizer, vocês não têm o direito
de matar seus filhinhos, sem condolências.
A minha empresa está perdendo mercado.
Saibam que não vou tolerar concorrências.

Mas olhem dentro dos meus olhos agora.
Meu grito ecoa pela praça da Sé.
Dos seus olhinhos eu jamais olho dentro.
Olho é de dentro dos seus olhos de fé.

Eu vou-me embora, tenho muito a fazer.
Rezem o terço e façam mil orações
pra não saberem que eu nunca existi
a não ser dentro dos seus vis corações”.

Depois daquilo, o diabo voou
com seu jatinho e sua mensagem de paz
e o povo nunca se esqueceu desse dia,
porém não houve um comentário jamais.

Nunca se deu notícia daquela história
sobre a visita do diabo à cidade,
sobre o seu manto pálido qual memória,
branco de sangue lavado com piedade.
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(texto e desenho de Chuí)

terça-feira, maio 08, 2007

Relâmpago (Cordel Urbano I)

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"Uma sociedade que não se prepara para proteger suas crianças
no futuro deverá se preparar para se proteger delas".
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Luis Carlos de Menezes - Revista Nova Escola
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(Cerca de um mês atrás, eu tive um sonho onde eu tocava raivosamente um rock em Mi maior no violão. Hoje, ao ensaiar algumas velhas canções, lembrei-me de um texto de meu pai sobre a educação e a criminalidade infanto-juvenil. Em instantes, a noite regurgitou uma letra inteira para mim, esta que se encaixou perfeitamente ao rock onírico. Como um sapato velho a um pé torto.
Se eu tiver coragem, vou incluí-la no próximo disco.)
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Relâmpago
(Cordel Urbano I)
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Mermão, nem um pio e já pega à esquerda no farol.
Nesses próximos minuto você vai roer o osso
que eu roí pra me formar perito em desumanidades.
Sem gracinha que o meu berro tá apontado ao seu pescoço.


E aí como é que foi o seu lindo carnaval?
Pagou quanto o abadá? Fotografou o pelourinho?
Mas não tem mais festa agora, não tem cordão entre nós.
Que ironia, eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho.


Pára o carro devagar e finge que eu sou teu amigo
e já saca esse cartão e digita a senha certa.
Não se esqueça, meu irmão, melhor ter muito cuidado,
cada um cuida do seu, e o teu tá na minha reta.


É, eu sei, tu tá estranhando eu te chamar de meu irmão.
Eu sinto que te desaponto, isso tu não vai negar.
Eu sou o outro lado teu, aquele que tu não quis ver.
Tu é o outro lado meu, o que ocupou o meu lugar.


Mermão, nem um passo em falso ou um abraço, tu já era.
Já tá quase no final, mais um caixa, mais uns $1000.
Só não sei se eu te liberto, levo o carro e vou embora
ou te queimo e deixo o corpo em algum terreno baldio.


De menino eu aprendi, a cada surra que eu levei.
Hoje o destino te sussurra no ouvido, canta assim:
Se ontem tu não fez de nada pra me proteger da vida
amanhã tu te prepara pra te proteger de mim.


Mermão, agradece a Deus, hoje é teu dia de sorte.
Já reduz bem devagar e pára no acostamento
que hoje eu tô de bom humor e até que fui com a tua cara.
Eu levo os cheque e o celular, mas te deixo os documento.


Agora eu vou abrir a porta e atravessar aquela ilha
e tu não vai querer deixar tua mulherzinha de luto.
Eu volto aqui pra te pegar e todo o resto da família
se tu ousar olhar pra trás nos próximos dez minuto.
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quinta-feira, maio 03, 2007

Toda mentira

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Um anjo é assassinado
cada vez que você chora.
(Não posso saber quem você é
pela medida do seu sofrimento)
Um santo é acorrentado
cada vez que você mente.
(Mas redescubro meu nome
ao acalentar sua dor)
Um mártir é enforcado
cada vez que você foge.
(Queria transfundir todo seu pavor
pra dentro de minhas veias)
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(Uma, não.
Mil, um milhão;
Sejamos honestos, todas)
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Toda mentira é esquecida
cada vez que você ri.
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(texto e desenho de Chuí)

Mandacaru & SAMBLUES! no Villagio Café

Amigos, terça-feira (8 de Maio, às 21:00hs) apresentarei-me novamente, ao lado de Guima e Guappo, tocando canções dos dois discos meus e também mais um tanto da prévia do show SAMBLUES! que idealizei com Guappo. O trio estará aquecido do show que nós faremos no final de semana no SESC Rio Preto, acho que vai ser bacana.
Será no Villagio Café, uma das mais tradicionais casas de shows de São Paulo.
Adorarei vê-los por lá para um bate-papo após o show! Beijos a todos!

Villaggio Café

Endereço: Praça D. Orione 298, Bela Vista (travessa 13 de maio)Informações: 11 3251.3730